Notícias da mídia

01/12/2011 - RECURSO FAZ PARTE DO DIA A DIA DAS OPERAÇÕES EMPRESARIAIS

Recurso faz parte do dia a dia das operações empresariais  -  01/12/2011

Instituída por lei há 15 anos no Brasil, a arbitragem dá mostras de estar consolidada como uma alternativa para empresas envolvidas em negócios valiosos ou complexos demais para depender de um Judiciário excessivamente lento e complicado como o brasileiro. Alguns escritórios de advocacia empresarial estimam que, dependendo do tema, até 90% dos contratos assinados por seus clientes atualmente contam com cláusulas prevendo o instrumento, e as principais câmaras de arbitragem brasileiras têm verificado um aumento acentuado no número de causas e volumes de recursos em disputa - os valores aumentaram dez vezes entre 2005 e 2010.

Gilberto Giusti, do Pinheiro Neto: 75% dos contratos preparados saem com cláusulas arbitrais e índice vai a 90% nos casos de fusões

Um levantamento feito por Selma Lemes, uma das autoras da lei de arbitragem, mostra que o valor das causas levadas às cinco principais câmaras arbitrais do país atingiram R$ 2,3 bilhões em 2010. Dos R$ 6,7 bilhões em disputas levadas às câmaras entre 2005 e 2010, quase 70% correspondem aos últimos dois anos. Esse volume ainda corresponde a uma fração dos contratos encaminhados à arbitragem por empresas brasileiras ou que operam no país - muitas delas preferem acionar câmaras internacionais. Uma das principais instituições do gênero, a Câmara de Comércio Internacional (CCI), sediada em Paris, classifica o Brasil como o quarto pais com maior número de partes em procedimentos arbitrais no mundo - atrás dos EUA. da Inglaterra e da Alemanha.

As cláusulas de arbitragem são disseminadas - e comumente acionadas - em contratos de fusão e aquisição de empresas, voltadas a desavenças sobre avaliação de ativos, passivos ou formas de pagamento. O instrumento tem presença crescente nas áreas de construção civil - para solucionar disputas sobre custo e prazo de obras - e começa a surgir com força no setor de energia, focando disputas sobre variação de preços entre fornecedores e grandes consumidores. Na indústria de "project finance", a presença de cláusulas arbitrais tem se mostrado essencial para permitir o cálculo do equilíbrio econômico-financeiro de projetos, algo difícil quando há possibilidade de disputas de até dez anos na Justiça, com resultado imponderável. A presença da arbitragem é observada de forma cada vez mais frequente em operações do dia a dia das empresas, como fornecimento de bens, serviços e produtos financeiros.

Ampliar imagem

Descrição:   

O Brasil precisou atravessar um período de amadurecimento para chegar ao ponto em que está em relação à adoção da arbitragem. Mesmo depois da edição da lei instituindo seu uso, foi necessário um processo de chancela do novo procedimento nos tribunais, a criação de uma cultura favorável à prática no meio empresarial e jurídico e a formação de quadros especializados e experientes na área. O primeiro ponto, o apoio do Judiciário, é considerado ainda hoje a pedra fundamental da construção do novo regime de solução de disputas.

Segundo Gabriel Seijo, sócio especializado em arbitragem do escritório Souza, Cescon, Barrieu & Flesch Advogados, o Brasil passou a ser considerado um país "arbitration friendly" - ou, amigável à arbitragem - graças às mudanças legais e jurídicas por que passou nos últimos 15 anos. Ainda que no passado a arbitragem fosse autorizada pelo nosso ordenamento legal, seu resultado podia ser reformado pelo poder Judiciário, o que tornava suas decisões inócuas - e na prática, seu uso inexistente. O advogado cita três marcos nessa mudança de status do instrumento no Brasil: primeiro, a edição da Lei nº 9.307, de setembro de 1996, a lei da arbitragem, que estabeleceu parâmetros formais, procedimentos, e previu condições estritas para que uma sentença fosse revista pela Justiça. Em 2001, o Supremo Tribunal Federal (STF) reconheceu a constitucionalidade da lei, e, em 2002, o Brasil aderiu à Convenção de Nova York, o que tornou as sentenças proferidas por câmaras arbitrais estrangeiras válidas no país.

Alguns tribunais, como o Tribunal de Justiça de São Paulo e do Rio de Janeiro, já possuem vários julgamentos sobre o tema e são considerados francamente pró-arbitragem. O Superior Tribunal de Justiça (STJ) também é citado como um apoiador - tanto ao julgar recursos vindos de tribunais locais, como para homologar sentenças arbitrais estrangeiras, um atributo exclusivo seu. Segundo Flávio Pereira Lima, sócio da área de arbitragem do escritório Mattos Filho Advogados, os clientes estrangeiros veem o Brasil com tranquilidade nesse aspecto. "O que faz um país seguro para a arbitragem é uma lei boa e um judiciário que não intervém. E nós temos os dois", diz.

O especialista do escritório Mattos Filho observa que a disseminação da arbitragem no meio empresarial traz uma maior qualidade nas decisões, e uma nova mentalidade para o advogado especializado na área de contencioso. No Judiciário, as disputas acabam prendendo-se a disputas formais secundárias - as questões processuais -, muitas vezes determinantes no sucesso ou no fracasso de uma causa. Na arbitragem, há menos formalidades processuais e maior grau de aprofundamento no mérito, tanto pelo tempo dedicado pelos árbitros, como pela especialização dos profissionais em temas específicos. É preciso descer a detalhes na análise do caso, e em causas mais complexas, o escritório precisa montar times de sete ou até nove profissionais, incluindo técnicos como engenheiros e contadores.

Ampliar imagem

Descrição:   

Um exemplo de disputa com grande complexidade foi o caso da compra da Varig pela Gol, levada à arbitragem em 2008 - caso amplamente divulgado pela mídia na época. A Gol levou a compra à arbitragem alegando uma diferença milionária na avaliação dos ativos. Foi montado um grupo de árbitros de alto nível, e o caso resultou em uma audiência com cinco dias de duração - um deles todo dedicado à exposição dos pareceres contábeis.

No Pinheiro Neto Advogados, cerca de 75% dos contratos preparados para os clientes saem com cláusulas arbitrais, número que sobe para 90% na área de fusões e aquisições. Segundo o responsável pela área no escritório, Gilberto Giusti, há pouca restrição ao instrumento, com alguma discussão sobre casos específicos em que a arbitragem não se aplicaria ou sobre a viabilidade econômica de se usar o dispositivo em contratos de menor valor. Apesar de se imaginar que a arbitragem é mais cara do que a Justiça estatal - onde a despesa se resume ao pagamento de algumas custas - a diferença é que o custo judicial acaba diluído ao longo dos anos em que o processo fica em trâmite. Em certos negócios é impensável haver o tipo de impasse que a condução judicial levaria - como a suspensão da obra de uma hidrelétrica, ou a indefinição quando ao desfecho de uma grande operação de compra e venda de uma empresa.

Nos primeiros anos da arbitragem no Brasil, no início da década passada, foi difundida a ideia de que na arbitragem há soluções mais flexíveis do que aquelas proferidas no Judiciário, acomodando os interesses de ambas as partes. Os especialistas do ramo dizem que essa noção não existe mais, e as sentenças arbitrais hoje são tão coercitivas como qualquer decisão judicial - penalizando fortemente a parte perdedora quando necessário. A transformação é vista como um processo de amadurecimento da arbitragem e dos árbitros - que passaram a se sentir seguros para tomar posições mais impositivas.

Segundo Giusti, do Pinheiro Neto, para uma decisão arbitral conter uma composição entre as partes, é preciso haver previsão contratual permitindo que se abra mão da aplicação da legislação em nome do princípio da equidade. Na prática, essa cláusula nunca é introduzida nos contratos. O que tem acontecido, exatamente em razão da possibilidade de decisões coercitivas nos tribunais arbitrais, é o incentivo ao acordo, antes ou durante o processo. São cada vez mais comuns as cláusulas escalonadoras, estipulando a exigência de uma mediação - por vezes com a contratação de mediadores profissionais - antes de o tema ser levado à câmara arbitral.

Há algumas zonas cinzentas de aplicação da arbitragem, relativas à definição de direitos disponíveis - como em negócios com o poder público - e situações em que não fica claro se as partes consentiram em abrir mão de acionar a Justiça, como em operações do mercado de capitais - em relação a acionistas minoritários - e em relações de consumo. No caso das relações com o poder público, depois de uma famosa divergência proferida pelo Tribunal de Justiça do Paraná, no chamado caso Copel, em 2004, está consolidada a noção de que é possível fechar contratos arbitrais com empresas estatais: com estatais da área de energia, contratos do tipo são comuns tanto na contratação de construtoras como na montagem de consórcios para operação. Em São Paulo, o Metrô já abriu três disputas arbitrais contra o consórcio responsável pela operação da linha amarela, segundo fontes do setor.

Fonte – Valor Econômico