Notícias da mídia

01/12/2011 - DISPUTAS JUDICIAIS SUSCITAM QUESTIONAMENTO DO SISTEMA

Disputas judiciais suscitam questionamento do sistema  -  01/12/2011

A rapidez na obtenção de desfechos em litígios complexos e a garantia de sigilo durante o processo tornaram a arbitragem um mecanismo extremamente popular no ambiente corporativo. Nos últimos meses, no entanto, disputas envolvendo alguns dos maiores grupos empresariais do país ganharam repercussão por levantar dúvidas sobre a validade de cláusulas de arbitragem inseridas em contratos. O temor do mercado é que, conforme o resultado final dado a esses casos, o Brasil retome a insegurança jurídica que rondou o país antes da consolidação do instrumento privado de solução de conflitos - quando a única alternativa às empresas era esperar na longa fila do Poder Judiciário até o julgamento de suas demandas. Apesar disso, especialistas no tema garantem que a arbitragem não está em perigo.

A primeira grande disputa arbitral a chegar à Justiça e ganhar repercussão envolve a holding que controla o maior grupo privado e o braço de investimentos do terceiro maior banco brasileiros, pelo ranking Valor 1000, e os maiores fundos de pensão do país. O processo arbitral aberto no Centro Brasileiro de Mediação e Arbitragem (CBMA) entre a Bradespar, do Bradesco, a Litel, que reúne Previ, Petros, Funcef e Funcesp, e a Elétron, do empresário Daniel Dantas, já teve um desfecho, mas está sendo contestado judicialmente. As partes disputam uma fatia da Valepar - que tem 52,70% do capital ordinário da Vale -, na qual Litel, Bradespar e Elétron têm participações de 49%, 21,2% e 0,02%, respectivamente.

No procedimento arbitral instaurado, a Elétron alega que tem direito à compra de uma parte das ações da Valepar em poder das demais empresas por causa de um aumento de capital promovido em 2002, que teria diluído sua participação. Em uma primeira sentença, a arbitragem deu vitória parcial à Elétron, mas a decisão foi contestada na Justiça pela Litel e Bradespar, que alegam que um dos árbitros já havia advogado para o empresário Daniel Dantas no passado, prestando consultoria em um processo no exterior.

As decisões anuladas pela Justiça atingem apenas 2% das arbitragens realizadas no país

O procedimento arbitral chegou a ser suspenso pela via judicial, mas foi retomado, com a mudança do árbitro questionado, que, diante da polêmica, renunciou ao cargo. Recentemente, a sentença final da arbitragem deu à Elétron o direito de compra de parte das ações de seus sócios na Valepar. A decisão está sendo novamente contestada na Justiça, onde a Bradespar tenta anular a sentença arbitral.

As peculiaridades do caso envolvendo a Valepar são, segundo especialistas, uma das fontes de inquietação no meio empresarial. "A preocupação maior das empresas é a de que em uma arbitragem algum árbitro esteja ligado a alguma das partes", diz a advogada especialista no tema Ana Tereza Basílio, para quem isso decorre do fato de boa parte dos árbitros serem advogados que, em algum momento, podem ter atuado, de alguma forma, para uma das partes envolvidas. "Isso pode enfraquecer a arbitragem", afirma a advogada.

Professora do curso de pós-graduação em arbitragem da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e ex-presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem da seccional do Rio de Janeiro da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), Ana Tereza acredita que essa situação poderá ser resolvida quando o Brasil, a exemplo do que já ocorre em alguns países, contar com profissionais que sejam apenas árbitros. "O incremento do uso da arbitragem no país poderá nos levar a ter mais clareza sobre a função do árbitro", ressalta ela. "O instituto se fortalecerá quando o mercado tiver uma oferta maior de profissionais que sejam só árbitros, mas ainda não chegamos nesse estágio."

A escolha dos árbitros, no entanto, não é o único motivo que serve de argumento para que as partes contestem o uso da arbitragem. Um dos casos mais ruidosos sobre o tema no Brasil atualmente é o que contrapõe os dois maiores sócios da Odebrecht Investimentos (Odbinv), holding do Grupo Odebrecht, um dos maiores do país, segundo o ranking Valor Grandes Grupos. De um lado está a holding Kieppe, que reúne a família Odebrecht. De outro, a holding Graal, da família Gradin, sócia da empresa com 20,6% das ações do grupo baiano.

O litígio entre os sócios, que conviveram pacificamente durante 30 anos, começou em meados do ano passado com uma alteração no acordo de acionistas proposta pelo majoritário e que alteraria a posição dos minoritários no grupo. Depois de tentativas de negociação fracassadas, a Kieppe manifestou aos Gradin o interesse em exercer a opção de compra das ações em poder da Graal. Esta, no entanto, contestou a validade do exercício, com o argumento de que as condições para a opção previstas no acordo de acionistas assinado em 2001 não se apresentavam naquele momento.

Diante desse impasse, a Graal pediu a abertura de um procedimento de arbitragem pelo qual uma câmara arbitral seria escolhida por ambas as partes para decidir a disputa. Diante da negativa da Kieppe, a Graal foi à Justiça pedir sua instauração. Em meados de janeiro, a Justiça de primeira instância determinou a realização de uma audiência entre as partes para dar início ao processo. Mas a Kieppe recorreu da decisão e, após diversos recursos, a audiência que definirá o rumo da disputa entre as duas famílias ainda não foi realizada.

O foco das discussões na Justiça é a forma de resolução das divergências entre os sócios da Odebrecht, ou seja, se a interpretação do acordo de acionistas assinado entre elas será feita pelo Poder Judiciário ou por meio de arbitragem. De um lado, a Graal alega que o documento prevê que qualquer dúvida ou divergência em relação ao acordo de acionistas deve ser solucionada por meio de mediação ou arbitragem - logo, a disputa deve ser levada a uma câmara arbitral. De outro, a Kieppe argumenta que a cláusula não é compromissória - ou seja, a arbitragem é apenas uma possibilidade - e que o acordo de acionistas prevê exceções, que devem ser solucionadas na Justiça.

O texto do acordo de acionistas assinado entre os dois sócios prevê que as dúvidas ou divergências surgidas em relação ao documento deverão ser resolvidas por mediação ou arbitragem, "exceto quanto ao previsto na cláusula oitava". A cláusula oitava, por sua vez, prevê que "é ainda facultado à parte obter decisão judicial para, se for o caso, suprir a vontade da parte que se recusar a cumprir qualquer das obrigações assumidas no acordo de acionistas". Está aberta a divergência entre as partes: enquanto a Kieppe acredita que a não-aceitação do exercício de opção de compra feito por ela permitiria o uso da via judicial, a Graal entende que a discussão sobre a validade da opção de compra deve ser feita por meio da via arbitral.

Para Arnoldo Wald, membro da Corte Internacional de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional (CCI), ainda que existam situações como essa, o número de arbitragens que vai à Justiça é muito pequeno. "Tem havido pouca interferência do Judiciário, que tem prestigiado a arbitragem, cada vez mais importante diante dos 90 milhões de processos existentes na Justiça brasileira", afirma Wald. De acordo com o especialista, as decisões arbitrais anuladas na Justiça atingem apenas 2% das arbitragens realizadas no país. Esses casos, segundo ele, só têm acontecido quando há algum vício sério no contrato arbitral. Wald diz ainda que, nos casos em que os tribunais entendem que determinadas matérias não podem ser objeto de arbitragem, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem sido firme no sentido de manter completamente a validade dos procedimentos. "A arbitragem está estabelecida, está generalizada e as exceções confirmam a regra", diz. "Não há desconfiança em relação ao instituto."

O advogado Mário Sérgio Duarte Garcia, especialista no tema e vice-presidente da Câmara de Mediação e Conciliação da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), concorda. "O fato de alguns irem a juízo não desmerece o instituto da arbitragem", diz Garcia. Segundo ele, até pode haver ilegalidades no atendimento ao que foi estipulado nos termos de arbitragens, que as sujeitam a anulações. "Mas é natural que a parte que perde uma arbitragem não se conforme com um possível resultado adverso", afirma Duarte Garcia, que atuou como árbitro no caso envolvendo a Valepar. Para a especialista Ana Tereza Basílio, esse tipo de debate em relação à arbitragem faz parte do próprio contencioso. "Quando se tem um contencioso cível na Justiça há uma série de incidentes processuais", explica. "E a arbitragem não deixa de ser um processo contencioso como qualquer outro, em todas as medidas possíveis são utilizadas pelas partes para garantir seus direitos", atesta Garcia.

Fonte – Valor Econômico