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01/12/2011 - CONFIANÇA DAS PARTES DETERMINA QUEM SERÁ O ÁRBITRO DO PROCESSO

Confiança das partes determina quem será o árbitro do processo  -  01/12/2011

Peça-chave na arbitragem, o árbitro não é apenas a pessoa que dará um ponto final a um conflito. Ele é alguém que foi escolhido criteriosamente pelas próprias partes para julgar e proferir a sentença, da qual não se pode recorrer. Nesse sentido, deve ser alguém que inspira confiança e credibilidade, além de ser um profundo conhecedor da matéria a ser analisada.

 

Adriana Braghetta, presidente do CBAr: “O sistema é favorável a você escolher o árbitro”

Ana Lúcia Pereira, presidente do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem (Conima), diz que as principais atribuições do árbitro são conduzir com diligência, independência e imparcialidade o procedimento arbitral e decidir o litígio. Pelo fato dele atuar apenas quando é indicado para a função, Ana Lúcia explica que não se diz que alguém "é" árbitro, mas sim, que "está" árbitro.

"O árbitro só está árbitro enquanto conduz e julga o conflito. Diferente do juiz que responde como tal 24 horas por dia. Por isso ele 'é' juiz e tem uma função pública com prerrogativas específicas delegadas pelo Estado", ensina Ana Lúcia. Ela acrescenta que enquanto o juiz possui uma carreira, ser árbitro não chega nem a ser uma profissão: não existe piso ou teto salarial e tampouco um sindicato.

Ao mesmo tempo, a presidente do Comitê Brasileiro de Arbitragem (CBAr), Adriana Braghetta, explica que o árbitro deve julgar com mais qualidade as suas demandas do que pode fazer um juiz. Isso porque o árbitro tem de ser necessariamente um grande conhecedor do assunto, além de gozar da confiança das partes envolvidas. Ou principalmente porque ele pode se debruçar no processo por mais tempo e com mais vagar, diferentemente de um magistrado que precisa julga centenas de casos por mês.

 

Silvia Pachikoski: “O que tem no mercado são cursos de especialização na arbitragem”

A escolha do árbitro, na avaliação de Adriana Braghetta, é uma das grandes vantagens do sistema. "Muitas vezes, quem tem a melhor condição para analisar um caso é um player e não um jurista. Imagine que precisamos discutir a qualidade do grão do café. Então, eu posso indicar um industrial que tem 20 anos de atuação nesse segmento e não necessariamente tenha uma formação universitária. O sistema é favorável a você escolher os árbitros", explica a presidente do CBAr.

De acordo com a advogada, não existe um requisito para ser árbitro e, de acordo com a norma, qualquer pessoa capaz e que goze da confiança das partes pode ser indicada. "Essa é a riqueza da lei. Se você objetivar qualificações, poderá validar quem não é bom. Por exemplo, se uma formação jurídica ou universitária for necessária, isso poderá impedir que aquele produtor de café que entende tudo do assunto não seja o árbitro. Além disso, o próprio mercado da arbitragem sabe apontar quem é bom", argumenta Adriana.

Silvia Rodrigues Pachikoski, vice-presidente da Câmara de Mediação e Arbitragem de São Paulo (Ciesp/Fiesp) e advogada da RPSN Advogados Associados, acrescenta que não há cursos de formação de árbitro, uma vez que essa carreira não existe. "O que tem no mercado são cursos de especialização na arbitragem. Acho que se o profissional deixar de atuar efetivamente em uma profissão para ser exclusivamente árbitro quando indicado, ele corre o risco de parar no tempo", afirma.

Mesmo assim, não faltam tentativas para regulamentar a profissão. Uma delas é o projeto de lei nº 4.891, de 2005, de autoria do deputado Nelson Marquezelli (PTB-SP), que tramita na Câmara dos Deputados. Entre outros requisitos para atuar como árbitro, o texto prega que o julgador deve ter diploma de universidade reconhecida pelo Ministério da Educação. Além disso, fala também da necessidade da criação de Conselhos Regionais e Federais para fiscalizar a atividade.

Em um parecer contrário ao projeto de lei, Silvia Rodrigues Pachikoski alega que a profissão de árbitro levaria ao enfraquecimento da qualidade das arbitragens, sendo certo que seria repetido o modelo do Poder Judiciário, transformando os árbitros em juízes.

"Uma das características mais importantes da arbitragem está na livre indicação de árbitros de confiança das partes, sem nenhuma espécie de exigência ou obrigação. A parte escolhe a pessoa que deseja que julgue seu caso, lastreada na honradez e na capacidade de conhecer a matéria em discussão, e de sua capacidade de julgar com imparcialidade e independência", afirma a jurista em seu parecer.

Ainda de acordo com ela, "o melhor controle é aquele exercido pelas partes na arbitragem. A Lei de Arbitragem concedeu a elas o poder de impugnar, rejeitar e afastar os que não se enquadrem nos parâmetros de comportamento ético", afirma.

Segundo a Lei de Arbitragem, se um árbitro cometer algum ato de prevaricação, ele estará sujeito à condenação penal, tal como acontece com os juízes. "Essa é uma forma de solidificar a utilização da arbitragem que se calca na confiança e autonomia de vontade. É uma forma também de dar proteção jurídica ao próprio Instituto da Arbitragem", explica o advogado Pedro Batista Martins, que atua como árbitro e é também um dos coautores da Lei.

Apesar de a única regulamentação da atuação do árbitro estar resguardada na própria Lei de Arbitragem, órgãos internacionais buscam padronizar o comportamento desses julgadores, especialmente quando se trata de conflitos de interesse.

A International Bar Association (IBA) listou algumas situações em que o árbitro deve se declarar impedido ou utilizar o princípio da revelação, isto é, tornar público algum fato que o possa tornar impedido de julgar.

Segundo o IBA, esse estudo intitulado "Conflict of Interest in Internacional Arbitration" (conflito de interesse em arbitragem internacional, em inglês) é importante porque os problemas desse tipo de conflito são um desafio crescente na arbitragem internacional.

Os árbitros geralmente não sabem quais são os fatos que devem ser revelados. Por outro lado, as partes relutantes em aceitar a arbitragem podem usar essas dúvidas para atrasar os processos ou então recusar o árbitro escolhido pela outra parte.

"A ética deve ser algo muito forte no árbitro", prega a advogada Rita A. Bozaciyan Avedissian, sócia do Bozaciyan e Bertucci Advogados, e uma das árbitras mais solicitadas no Conselho de Arbitragem do Estado de São Paulo (Caesp). Ela conta que, por ser árbitra, quando é indicada no Caesp não aceita ser advogada nesta Câmara. "Não há norma que diga que não posso, mas é uma opção minha. Em outras câmaras posso advogar sem problema", diz Rita Bozaciyan, que atua desde 2000 como árbitra e é solicitada em cerca de 20 processos por ano. "Para ser uma árbitra requisitada é preciso tempo, a pessoa deve ser conhecedora da matéria, e as partes devem confiar nela", afirma.

Por ser um trabalho de confiança e de muita responsabilidade, o mercado de arbitragem se autorregula, afirma Adriana Braghetta. "O profissional começa a ser solicitado porque é muito conhecido, escreveu obras e é alguém que trouxe muita contribuição positiva."

Mas os atrativos para ser indicado como árbitro não residem apenas no status da posição de julgador. A remuneração é outro fator que atrai para o cargo. Os honorários do árbitro variam de acordo com cada câmara, mas geralmente são valores substanciais ganhos caso por caso, dependendo de sua complexidade e do tempo que leva para ser julgado.

Na Câmara de Arbitragem do Mercado (CAM), os honorários são de R$ 500 por hora trabalhada. Na Câmara de Comércio Brasil-Canadá, de R$ 450 por hora. Considerando que um processo leva, em média, 150 horas para ser julgado, um árbitro pode receber R$ 75.000 por um único caso. E o montante pode aumentar segundo o valor da causa.

Mas, apesar da remuneração bastante compensadora para quem é convidado a ser árbitro, a remuneração não é considerado um fator mais interessante do que os desafios que se apresentam ao árbitro.

Aos 78 anos de idade, o advogado Carlos Augusto Silveira Lobo é exemplo de um profissional indicado para ser árbitro de causas de grandes valores. Ele conta que a vasta vivência na área jurídica lhe permite entender a responsabilidade que tem o árbitro.

"Já experimentei tudo na advocacia e a experiência em arbitragem trouxe, em primeiro lugar, espeito e simpatia pelos juízes. A coisa mais difícil e maravilhosa é julgar. No caso da arbitragem, é possível penetrar nos fatores da causa e estudar a sua aplicação jurídica com profundidade. Esses são desafios interessantíssimos", conta Lobo.

Para Silveira Lobo, a grande vantagem do sistema arbitral é a possibilidade de escolher os juízes da causa. "No sistema judicial, um caso de direito econômico pode vir a ser julgado por um grande jurista que é especializado na área de família, por exemplo. Na arbitragem, as partes podem escolher alguém que seja grande conhecedor do tema a ser tratado".

Já para o advogado Pedro Antonio Batista Martins, a atratividade do sistema está na importância que se dá aos fatos, muito mais do que ao Direito propriamente dito. "Na arbitragem, existe a possibilidade de se julgar por equidade, ou seja, o árbitro diz qual é a lei que, na sua avaliação, se aplica naquele caso, sem violar as normas fundamentais, obviamente", explica.

Em um dos raros casos que julgou por equidade, Martins lembra que foi a única solução encontrada para resolver o conflito. "Se fôssemos discutir e aplicar o Direito, iríamos julgar, mas os sócios estariam até hoje vinculados, o que não era o objetivo deles".

O advogado conta que quando está árbitro, procura olhar para a demanda de forma diferente. "O advogado é muito voltado para a defesa do cliente. O árbitro precisa se distanciar, tem de ouvir os dois lados, fazer uma análise criteriosa e ponderada de todas as razões e fundamentos de prova que estão sendo apresentadas", explica Martins.

Apesar de a grande maioria dos árbitros ter formação jurídica, há também profissionais de outras carreiras que atuam como julgadores. O engenheiro Marco Machado, diretor-superintendente da Câmara de Mediação e Arbitragem do Instituto de Engenharia, é um exemplo. Há 10 anos ele atua como árbitro e decidiu aceitar esse desafio por ter uma vasta experiência em gestão e soluções de conflitos.

"Eu trabalhei 32 anos na Companhia do Metrô e participei de projetos de aeroportos, o que envolvia muita negociação e intermediação. Quando a Câmara do Instituto de Engenharia foi criada, me interessei pela matéria e fui me qualificando e fiz cursos na OAB (Ordem dos Advogados do Brasil) sobre arbitragem. Na engenharia, os contratos são muito frágeis porque qualquer paralisação leva à concordata e falência. Por isso há a necessidade de preservação das empresas e dos empregos", afirma Machado.

Fonte – Valor Econômico