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01/12/2011 - CLAUSULAS ARBITRAIS ENTRAM EM QUASE TODOS CONTRATOS DO PAIS

Cláusulas arbitrais entram em quase todos os contratos do país  -  01/12/2011

Há outras coisas no Brasil que causam estranheza no exterior além da jabuticaba. Vivemos em um país onde algumas leis "pegam" e outras não "pegam". A nº 9.307/96, a Lei de Arbitragem, que completou 15 anos, pegou. Se até meados dos anos 1990 a arbitragem era virtualmente inexistente no Brasil, hoje o cenário é bem diferente. É imenso o número de contratos contendo cláusulas arbitrais, como em obras de infra-estrutura, estatutos sociais, acordos de acionistas ou outros negócios comerciais.

No âmbito internacional, as estatísticas da Corte de Arbitragem CCI, por exemplo, mostram os brasileiros entre os principais usuários do sistema, ao lado de nacionalidades com tradição muito mais antiga na área. Árbitros e advogados brasileiros têm atuação e reputação reconhecidas em outros países. Em âmbito local, várias câmaras de arbitragem sérias e competentes surgiram nas principais cidades do país a partir da edição da Lei, e vêm registrando um volume cada vez maior de casos.

O início foi difícil. Tribunais arbitrais fraudulentos aparecerem em todo o país, pretendendo iludir a população apresentando-se como fossem membros do Judiciário. A OAB e o MP, em vários Estados, combateram tais práticas, reduzindo-as significativamente. Em 2001, cinco anos após a aprovação da Lei, o STF julgou a sua constitucionalidade, que à época era questionada. Apenas em 2002 o Brasil aderiu à Convenção de Nova Iorque, de 1958, o tratado vigente em quase todo o mundo que garante o respeito, pelos países signatários, aos acordos arbitrais e às sentenças proferidas em arbitragens estrangeiras. Interna e externamente, a arbitragem brasileira passou a ser uma realidade. Surgiu um novo mercado no direito brasileiro, altamente sofisticado, especializado e internacionalizado.

A sentença arbitral equivale à sentença judicial e não pode sofrer revisão de mérito pelo juiz togado

Deve ser reconhecido e aplaudido o esforço dos juristas brasileiros em divulgar o tema. O Brasil passou a ser sede frequente de congressos e conferências, culminando com o ICCA, realizado no Rio de Janeiro em 2010, o maior evento de arbitragem do mundo. As publicações, livros e artigos sobre o assunto são numerosos, e de qualidade reconhecida internacionalmente.

Mas foi sobretudo a compreensão exemplar da importância da matéria por parte do Judiciário, em especial do STJ, que garantiu a consolidação, entre nós, dos princípios norteadores da arbitragem. A cláusula compromissória deve ser respeitada, é obrigatória e comporta execução específica. A sentença arbitral equivale à sentença judicial e não pode sofrer revisão de mérito pelo juiz togado. Cabe ao Judiciário respeitar a autonomia da vontade e garantir que as partes honrem a promessa de solucionar as suas controvérsias perante árbitros, segundo as regras acordadas caso a caso, até mesmo em preservação da boa-fé que deve reger todas as relações contratuais.

Nem todos os juízes brasileiros de 1ª instância conhecem profundamente a Lei de Arbitragem, e por vezes algumas decisões anômalas são proferidas. Infelizmente, o assunto ainda não merece a atenção devida em currículos das faculdades de direito, nos programas do exame da OAB ou de concursos públicos em geral. No entanto, é notável a qualidade da imensa maioria das decisões judiciais brasileiras sobre arbitragem nos Tribunais de 2º grau e, sobretudo, dos Tribunais Superiores. Em 15 anos, a jurisprudência brasileira atingiu um patamar alto, ao qual as de outros países demoraram muito mais tempo para chegar. Um bom caminho para o aperfeiçoamento da qualidade do provimento jurisdicional na área seria a criação de Varas determinadas para as quais seriam direcionados os casos relativos à arbitragem. É o que se fez de forma pioneira no Rio, onde o Tribunal de Justiça estabeleceu que as sete Varas Empresariais da Capital têm competência para julgar causas que envolvam a Lei de Arbitragem.

Nem tudo é cor de rosa. Alguns temas ainda suscitam dúvidas, como a extensão da possibilidade da arbitragem na área trabalhista ou no campo do direito do consumidor. O aumento do número de casos também traz consigo dificuldades de difícil gerenciamento. O número de árbitros experientes ainda é reduzido no Brasil, principalmente em face da crescente demanda por seus serviços. Há legítimas preocupações no meio, tanto dos usuários da arbitragem, como dos seus atores, quanto aos aspectos éticos da atividade, em suas várias dimensões. Como garantir a independência, imparcialidade e transparência, sem subterfúgios ou favoritismos, em um grupo pequeno de pessoas que se repetem e se revezam nos vários papéis? Não é fácil.

Por outro lado, há diversos profissionais inexperientes que começam a participar de novos casos. É ótimo seja ampliado o número de pessoas atuando na área, aumentando o leque de opções para todos os envolvidos. Entretanto, os neófitos por vezes têm uma compreensão equivocada do procedimento arbitral, acreditando que a arbitragem seria uma simples repetição privada do processo judicial. Não é e não pode ser. Tudo isso representa as dores do crescimento, e só o tempo as fará passar.

A Lei de Arbitragem brasileira tem um grande mérito. É simples, curta, objetiva. Coisa rara, infelizmente. O Brasil padece muito mais do excesso de leis do que da sua falta. São muitas leis, muito longas e confusas. A Arbitragem fugiu a esse padrão, uma das principais razões do seu sucesso. Depois de uma infância difícil, a Lei de Arbitragem vive a típica adolescência. Um mundo novo apareceu, complicado, mas feliz e com muitas promessas para o futuro. A Lei de Arbitragem é hoje uma moça bonita, está crescendo, tem tudo para seguir em frente e fazer grandes progressos. Merece uma bela festa de 15 anos, e vida longa.

Rodrigo Garcia da Fonseca é advogado, sócio do Escritório Wald e Associados, árbitro, vice-presidente da Comissão de Arbitragem da OAB/RJ, membro do Grupo Latino-Americano da Corte de Arbitragem da CCI em Paris, e da Comissão de Arbitragem do Comitê Brasileiro da Câmara de Comércio Internacional.

Fonte – Valor Econômico